Produzidas pelo Poder Legislativo Estadual, os Anais da Assembleia Legislativa do Estado do Pará (ALEPA) são documentos de valor singular para a história da Amazônia e a sociedade em geral, uma vez que neles se encontram: os debates travados entre os deputados na tribuna da Casa Legislativa; os projetos de leis apresentados; orçamentos postos para aprovação; a composição das Comissões e demais atividades inerentes ao Legislativo. Sendo os Anais produto de uma sociedade e de um tempo que os fabricaram tal qual um monumento, eles foram influenciados pelas forças que então detinham o poder1. Neste sentido, são fontes de grande contribuição para a pesquisa, por exemplo, sobre a cultura política, os planos econômicos, visões e projeções para Amazônia e as organizações partidárias.
O acervo ora disponibilizado pela Comissão César Leite de Memória e Verdade diz respeito aos Anais redigidos entre os anos de 1964 e 1968 pela ALEPA, período em que se executou o Golpe Civil-Militar de 1º de abril e deu-se início a Ditadura Militar no Brasil3. Este recorte temporal é significativo para o Poder Legislativo devido à Operação Limpeza promovida pelo Ato Institucional nº 1 que cassou mandatos de políticos eleitos democraticamente na legislatura de 1962, aposentou compulsoriamente servidores públicos com ligações políticas consideradas “subversivas” e – com a edição do Ato Institucional nº 2 após as derrotas dos políticos vinculados aos militares em 1965 –instalou o bipartidarismo por meio das legendas da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). No Pará, foram cassados em 1964 – principalmente – os mandatos de políticos do Partido Social Democrático (PSD) que desde 1946 dominaram a política regional por meio de alianças oligárquicas (a exemplo do governador Aurélio do Carmo) e, também, do Partido Comunista Brasileiro (PCB) como o deputado estadual Benedicto Monteiro que se utilizava da legenda do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) para concorrer nos pleitos eleitorais. Ademais, a ALEPA é uma das Assembleias Legislativas que são fechadas pelos Militares em fevereiro de 1969 após a edição do Ato Institucional nº 5 de 1968. Nesta fase foram cassados os deputados: estadual Laércio Barbalho (MDB) e federal Camilo Montenegro Duarte (ARENA). Isto se dá em virtude das dissociações e enfraquecimento das alianças políticas ocorridas no contexto da crise de 68 com a intensificação da luta do Movimento Estudantil contra a Ditadura. Não obstante, o período marca também uma intensificação nas mudanças promovidas pelo Governo Federal na região Amazônica desde a inauguração da Belém-Brasília em 1959 haja vista a promulgação da Lei 4.947/66 que fixa as normas do direito agrário e a Lei 5.173/66 que cria a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) durante a presidência do General Castelo Branco e do governo interventor de Jarbas Passarinho.
A organização do acervo segue a forma como estão dispostos os documentos no setor de Composição de Anais localizado no Palácio da Cabanagem, sede do Poder Legislativo Estadual. Ao acessar o site da Comissão Cesar Leite de Memória e Verdade o pesquisador ou pesquisadora encontrará o acervo na seguinte ordem: Ano > Mês > Livro dos Anais da Casa. Nos livros foram reunidas pelos funcionários da ALEPA as sessões ordinárias e extraordinárias realizadas no plenário da Casa conforme prevê o Ano Legislativo (AL) que difere do Calendário Civil. Por exemplo, em 1964 os livros estão disponíveis a partir de julho quando se abria o AL e – nesta ocasião – assumia a nova Mesa Diretora. Os Anais de 1964 a 1966 foram fotografados em sua integralidade enquanto os de 1967 e 1968 foram selecionados pelos bolsistas de iniciação científica os debates voltados para as temáticas: terra; movimento estudantil, conflitos e disputas políticas; ações do Governo Militar para a Amazônia.
Destarte, os Anais da ALEPA formam um acervo rico em possibilidades de pesquisa. Por meio da identificação das estratégias discursivas3 utilizadas pelos deputados durante os seus discursos e no texto de seus projetos de lei se torna possível problematizar a sua participação no processo de invenção da Universidade Federal do Pará4 seja por meio da sua menção ou omissão aos acontecimentos ocorridos durante os anos 60 tais como a perseguição e prisão de estudantes, o estabelecimento de uma nova cultura educacional e a construção e inauguração do campus pioneiro do Guamá, objeto de autopromoção dos Governos Militares ante as críticas intensas no final da década de 1960.
1LEGOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: ______. História e Memória. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990, pp. 535-549.
2FICO, Carlos. O golpe de 1964: momentos decisivos. 1ª Ed. Rio de Janeiro: FGV, 2014, pp 148.
3PROST, Antoine. As Palavras. In: RÉMOND, René. Por uma História Política. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, pp. 295-330
4FONTES, Edilza. A invenção da Universidade Federal do Pará. In: FONTES, Edilza (Org.). UFPA 50 anos: histórias e memórias. Belém: Ed. UFPA, 2007, pp. 13-61.